|Último ato|
Olha firme e consistente para aquele ser à sua frente e diz: tu sabe...já
me declarei tantas vezes que, sei lá, mas.. fazer o que? gosto tão imensa
e quase insanamente de ti
[respira fundo, serena]
Gosto da tua companhia, do teu efeito sobre mim, de como somos
(im)perfeitos juntos, das tuas tantas variantes, do “caos” que trazes contigo,
de olhar no teu olho e me reconhecer, de te sentir ouriçar minha nuca, de te
ver acreditando e duvidando do que prometemos sem sequer declarar…
[mexe suave e controladamente um ombro de cada vez, em quase desapercebidos movimentos gangorra, alinhando o desejo, como que num sutil ensaio de vontades, e
segue]
Gosto da falta orgânica que meu corpo sente do teu
[pensa no cheiro, no gosto, no toque, na força… e então,
involuntária, comprime as coxas ondulando o quadril que retesa… e falhamente
impávida, segue]
Gosto de como tu desliza me atravessando a carne, os sentidos e o
coração
[ofegante, peito cadenciado em curtas respirações
quentes, inalando memórias e exalando vontades, que pensa controlar… mas se
mantém, firme no propósito diz]
Gosto do sorriso espontâneo no ápice da conjunção quando contrai e
explode em ondas espasmódicas secretando o mais poderoso e letal dos antídotos…
e quando meu coração pulsa em versão alada ativada pelo teu vigor refletido no
espelho da nossa miragem
[agora o corpo estremece desde o ventre… calor por
todos os poros, e a pele já não mais contém. Mas ela baixa os olhos e volta com
o semblante remodelado. E segue…]
Gosto da anacro-sincronicidade dos diálogos e elocubrações que
desenvolvemos tão livres, naturais, que fluem em sintonia de uma lógica nonsense
que nos é peculiar, e que pueril me faz querer ser aquela à quem tu daria “sopa”
[sorri com o canto do olho e da boca, num carinho nu,
e uma alegria que abraça. E segue…]
Gosto de acreditar (que é amor), de pensar futuros mirabolantes e ainda
assim tão possíveis…
[sente a garganta apertada na imensidão do que guarda em si]
Era sobre isso que queria poder falar contigo, saber se continuo
sonhando...
[oscilando entre resignar e renegar sua natureza avassaladora ela diz, parecendo forte]
Então fico imaginando se você volta… se “a gente” existe em alguma
realidade, ou se estou (amando) sozinha.
[baixa a cabeça, maneia para a esquerda, como que
contrariada a encarar o sol do meio dia, disfarça a dor, e diz… com o peito já
em sangria]
Nesse caso, vai doer, apocalipticamente, mas enfrentarei a imensidão
dessa queda livre.
[agora é mais que
uma, é todas… todas as vezes que acreditou no amor. E derrama sua voz num ato
etílico violinizado dizendo em um esparançoso Dó maior]
Mas, se “a gente” ainda existe, seremos arrebatados para o mundo mágico
que só existe quando eu e tu estamos conectamos.
[pausa, o drama tudo turva, numa luz que desatina. Os
dois gargalham, quando ela os revela… indagando]
E agora, Batman, me diz… estou em perigo? Qual das pílulas devo
tomar?
Duas peças em um desato-ato-desatino.
|Fim de cena|
Seus olhos cortejam a insanidade.
O público ensurdece pelo silêncio oco.
Mal sabem que a tragédia se deu nos bastidores: ESTÓICA.