sábado, 3 de janeiro de 2015

saiu roendo uma maçã pequena, que derrubou ao correr para alcançar o intermunicipal [que só passaria novamente daqui longos 40 minutos]

cabeça em histórias, e os braços doloridos, coração em memórias, e as mãos enrijecidas, peito em saudade, e os olhos na janela... é hora de ir

desembarca junto com uma multidão, cotovelos, bolsas, gritos, fumaça, anúncios, motores e ela, determinada a chegar a tempo

a passos estreitos e calcanhares expostamente protegidos por um grossa pele seca e quase cinza segue firme
um chinelo de cada vez
pele enrugada, murcha de esperança, escura de sofreguidão, flácida e pendente trepida imperceptivelmente a cada fragilidade amarrotada em sua face
não teve tempo de combinar cores, não teve dinheiro para retocar raízes,  não pode desejar nem ter vontades

veste uma saia justa mas que gira em seu corpo mirrado deixando o fecho quase na lateral, mas não vê, e se percebe não se importa, o objetivo é não perder o foco de vista, olha rápido para uma vitrine, mas lembra que precisa chegar ao seu destino: o atacado mais barato da cidade

pronto, conseguiu!

volta rapidinha, costela arqueada pela bolsa que leva firme embaixo do braço e que expõe vértebra por vértebra, mas ela não arrisca, aperta as sacolas e o passo, olho no chão sujo e a mente repassando os pedidos, sem esquecer os horários dos próximos ônibus

tem 12 reais na bolsa que não se sabe se segura ou se abraça... mais a passagem, e isso vai ter que dar até  o final de semana

é quase Natal e todos eufóricos contam suas programações, combinações, aquisições

ela só quer chegar em casa e não sentir saudade de quando não era nascida






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