saiu roendo uma maçã pequena, que derrubou ao correr para
alcançar o intermunicipal [que só passaria novamente daqui longos 40 minutos]
cabeça em histórias, e os braços doloridos, coração em memórias,
e as mãos enrijecidas, peito em saudade, e os olhos na janela... é hora de ir
desembarca junto com uma multidão, cotovelos, bolsas,
gritos, fumaça, anúncios, motores e ela, determinada a chegar a tempo
a passos estreitos e calcanhares expostamente protegidos por
um grossa pele seca e quase cinza segue firme
um chinelo de cada vez
pele enrugada, murcha de esperança, escura de sofreguidão,
flácida e pendente trepida imperceptivelmente a cada fragilidade amarrotada em
sua face
não teve tempo de combinar cores, não teve dinheiro para
retocar raízes, não pode desejar nem ter
vontades
veste uma saia justa mas que gira em seu corpo mirrado
deixando o fecho quase na lateral, mas não vê, e se percebe não se importa, o
objetivo é não perder o foco de vista, olha rápido para uma vitrine, mas lembra
que precisa chegar ao seu destino: o atacado mais barato da cidade
pronto, conseguiu!
volta rapidinha, costela arqueada pela bolsa que leva firme embaixo do braço e que expõe vértebra por vértebra, mas ela não arrisca, aperta as sacolas e o passo, olho no chão sujo e a mente repassando os pedidos, sem
esquecer os horários dos próximos ônibus
tem 12 reais na bolsa que não se sabe se segura ou se abraça... mais a
passagem, e isso vai ter que dar até o
final de semana
é quase Natal e todos eufóricos contam suas programações,
combinações, aquisições
ela só quer chegar em casa e não sentir saudade de quando
não era nascida
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