quarta-feira, 14 de janeiro de 2015


O sonho é o guardião do sono, dizia Freud
Já eu digo que o sonho é o destruidor da verdade
Criador de ilusões e mestre em dissuadir realidades
Um galhofeiro ardiloso e irresponsável
Perfeito psicopata a ostentar título de benfeitor, venerado por lobos e amado por cordeiros
Tem meu respeito, jamais minha admiração
Tem minha atenção, jamais minha devoção
Tem meu desprezo pela tentativa de obnubilação
Já estivemos lado a lado, frente a frente, mas jamais dia-a-dia
É de fraco caráter, de pouca vontade, um vagabundo que se alimenta do esforço alheio
No entanto, parece que o mundo precisa deste Futuro, como diria o mestre
É esta Ilusão que mantém funcionais os errantes
Prefiro ser berrante
Prefiro chorar com gosto
Prefiro andar por mim, ainda que na certeza do fim e pronto
Ainda que na certeza do nada
Justamente pelo vazio, que preencho como eu quiser
E durmo muito bem obrigada, não careço de carochinhas nem carcereiros vigilantes
Dois âmbitos, eu sei... mas por nenhum me ludibrio

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015


ela aprende rápido, por consequência logo se entedia
mas nem tudo é cérebro e o coração amplia as possibilidade
e lá se vai outra chance
outra tentativa
outra esperança
outra expectativa
outro
tombo
mas ela aprende rápido, por consequência logo se entretinha
mas nem tudo é festa e o coração amplia as probabilidades
e lá se vai outra oportunidade
outra narrativa
outra retórica
outra notícia
outra
armadilha
mas ela aprende rápido, por consequência logo se convencia
de que nem tudo é festa, tão pouco no coração
e que por teimosia ou ingenuidade
valia insistir
e lá vem outra página
sua biografia
ela aprende rápido, por consequência cria
ontem verbo
hoje pronome
amanhã substantivo
depois derivação
transita entre razão e não
simplifica
cria

 


sábado, 3 de janeiro de 2015

saiu roendo uma maçã pequena, que derrubou ao correr para alcançar o intermunicipal [que só passaria novamente daqui longos 40 minutos]

cabeça em histórias, e os braços doloridos, coração em memórias, e as mãos enrijecidas, peito em saudade, e os olhos na janela... é hora de ir

desembarca junto com uma multidão, cotovelos, bolsas, gritos, fumaça, anúncios, motores e ela, determinada a chegar a tempo

a passos estreitos e calcanhares expostamente protegidos por um grossa pele seca e quase cinza segue firme
um chinelo de cada vez
pele enrugada, murcha de esperança, escura de sofreguidão, flácida e pendente trepida imperceptivelmente a cada fragilidade amarrotada em sua face
não teve tempo de combinar cores, não teve dinheiro para retocar raízes,  não pode desejar nem ter vontades

veste uma saia justa mas que gira em seu corpo mirrado deixando o fecho quase na lateral, mas não vê, e se percebe não se importa, o objetivo é não perder o foco de vista, olha rápido para uma vitrine, mas lembra que precisa chegar ao seu destino: o atacado mais barato da cidade

pronto, conseguiu!

volta rapidinha, costela arqueada pela bolsa que leva firme embaixo do braço e que expõe vértebra por vértebra, mas ela não arrisca, aperta as sacolas e o passo, olho no chão sujo e a mente repassando os pedidos, sem esquecer os horários dos próximos ônibus

tem 12 reais na bolsa que não se sabe se segura ou se abraça... mais a passagem, e isso vai ter que dar até  o final de semana

é quase Natal e todos eufóricos contam suas programações, combinações, aquisições

ela só quer chegar em casa e não sentir saudade de quando não era nascida